Vi o Ceará por Raimundo Soares Filho

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Justiça Eleitoral: Mandato é cassado já quando está terminando

A demora para a conclusão de processos que resultam em condenação para políticos que infringem a legislação eleitoral acaba por se traduzir, em muitos casos, em impunidade. Isso porque, aproveitando-se de mecanismos previstos na lei, infratores conseguem protelar as decisões finais até o término de seus mandatos, tornando quase que ineficazes as sanções.

Um dos casos mais recentes desse processo, no Estado, é o do deputado estadual Neto Nunes (PMDB), condenado por captação e gastos ilícitos de recursos financeiros na campanha eleitoral de 2006. Contudo, apenas um mês antes do término de seu mandato, em novembro último, o parlamentar foi de fato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE). Ontem, o TRE ia julgar um novo recurso do deputado.

Caso semelhante é o de prefeitos cearenses que foram afastados de seus cargos por conta da prática de crimes eleitorais, mas, dias depois, retornam a exercer suas funções através de medidas liminares. Em Santa Quitéria, um dos municípios onde o fato ocorreu, o prefeito, Francisco das Chagas Magalhães Mesquita, e o vice-prefeito, Eduardo Sobral Monte e Silva, foram cassados em maio de 2009, mas permaneceram em seus cargos até outubro último, quando o Pleno do TRE indeferiu o recurso dos gestores e manteve sua cassação.

Por enquanto, atua como prefeito de Santa Quitéria o presidente da Câmara de Vereadores. No próximo dia 19, haverá novo processo eleitoral no Município. Ainda que eleito em 2010, o novo prefeito só irá governar por dois anos, até o fim de 2012, quando será realizado novo pleito. Além de Santa Quitéria, os municípios de Icapuí, Senador Sá, Jardim, Limoeiro do Norte, Orós, Quixeré, Alcântaras e Acaraú também tiveram seus gestores cassados, no último ano, e retornaram a seus cargos.

Para o advogado especialista em direito eleitoral Djalma Pinto, um dos principais fatores responsáveis pela demora na conclusão de processos desse gênero é a atenção insuficiente concedida pela Justiça ao julgamento de crimes eleitorais, os quais, afirma, devem ser tratados com prioridade em relação aos demais processos.

Isso porque, destaca, as implicações dos crimes cometidos por políticos - candidatos ou já eleitos - trazem malefícios a um número muito maior de envolvidos. "O processo eleitoral repercute em cada cidadão. Está em jogo o comando do governo a ser exercido. Os atos vão ser refletidos na vida de cada um, no presente e no futuro", frisa.

Conforme o advogado, os juízes que atuam em processos contra homens públicos participam simultaneamente de outros julgamentos, o que acaba por retardar o andamento dos primeiros casos. Durante o período eleitoral, a situação se agrava, uma vez que, por conta do volume significativo de denúncias, a Justiça se torna sobrecarregada, inviabilizando a rapidez nos processos e beneficiando quem comete irregularidades.

Djalma reconhece que, em diversos casos, os infratores fazem uso de mecanismos oferecidos pela Legislação, baseados no princípio de direito à defesa, para retardar os processos e manterem-se em seus cargos. "Na plenitude da defesa, o acusado pode pedir para ouvir testemunhas, pode pedir a realização de perícias, que muitas vezes não são necessárias", ilustra. Segundo ele, cabe então ao juiz garantir a ampla defesa, mas atento ao caráter protelatório de determinadas medidas e impedir sua realização.

Destaca o advogado Djalma Pinto que, do ponto de vista legislativo, o Brasil "não deixa a desejar". Ele ressalta a aprovação da Lei 12.034, em setembro de 2009, a qual altera determinadas regras do sistema eleitoral brasileiro. Entre outros pontos, a lei determina como "duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo" o prazo máximo de um ano. A intenção, afirma, é conciliar o direito à defesa dos acusados e a celeridade necessária a processos tão relevantes.

Caso haja aplicação efetiva da nova lei, aponta, a tendência é de casos como o de gestores que passam a maior parte de seus mandatos sendo julgados se tornarem mais raros. "Não se justifica que, sendo o mandato de quatro anos, o processo leve esse período todo para ser concluído, tornando a sua conclusão inútil, ineficaz", comenta.

O advogado também destaca a existência ferramentas previstas na legislação que oferecem às partes mecanismos através dos quais entidades como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) podem ser acionadas com o objetivo de cobrar mais rapidez nos julgamentos. Conforme Djalma, desde que a nova lei foi aprovada, já houve casos, no Ceará, em que CNJ foi acionado para cobrar dos juízes mais celeridade no desenvolvimento de alguns processos que estavam tramitando lentamente.

Embora a maior atenção por parte da Justiça em relação a casos desse gênero seja um passo importante a ser dado, frisa o advogado, a principal solução para a problemática é a conscientização da população quanto ao papel a ser desempenhado por seus representantes políticos. "Qual a finalidade do mandato? É o cidadão fazer todo tipo de irregularidade após eleito ou cometer toda a série de atos ilícitos para sua conquista", questiona.

Com a falta de conhecimento quanto à função do homem público, acrescenta, "pessoas de bem, vocacionadas, de espírito público", as quais se negam a praticar ilegalidades para serem eleitas, acabam impelidas para fora do processo eleitoral. Através da educação da sociedade, irregularidades como a compra de votos se tornarão menos comuns.

Como resultado, gestores desprovidos de espírito coletivo que têm como objetivo utilizar a máquina pública em benefício próprio terão menos chances de alcançar o poder. Além disso, haverá a inibição aos atos ilícitos durante as eleições.


Com informações Diário do Nordeste

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