Vi o Ceará por Raimundo Soares Filho

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Saga cearense

COM O TÍTULO “SAGA CEARENSE”, EIS ARTIGO DO JORNALISTA MERVAL PEREIRA QUE SAIU NA EDIÇÃO DESTA QUARTA-FEIRA DO O GLOBO:

A saga de Ciro Gomes continua se revelando uma das mais patéticas da política nacional. De político renovador que acabou com as oligarquias cearenses, tornou-se símbolo de sua própria oligarquia, e acabou dando a volta ao mundo para acabar novamente em Sobral, que já teve seu irmão como prefeito e terá um representante seu no Ministério do primeiro governo Dilma, com o patrocínio político de seu grupo cearense.

De quase presidente eleito em 2002, Ciro Gomes está prestes a tornar-se um político sem mandato e sem apoio político de seu próprio partido, o PSB, que entrou em polvorosa quando a presidente eleita o convidou pessoalmente para assumir o Ministério da Integração Nacional.

A começar pelo presidente e principal líder do PSB, o governador reeleito em Pernambuco, Eduardo Campos, houve reação de todos os lados contra sua indicação. Campos tinha um candidato pessoal ao Ministério e não abriu mão para Ciro.

O PMDB fez questão de revelar seu descontentamento com a volta de Ciro ao primeiro plano do governo do qual se sente sócio.

O vice-presidente eleito, Michel Temer, que Ciro chamou de comandante de um agrupamento sem escrúpulos, mandou seu recado: como ministro, Ciro lhe deveria obediência hierárquica, e teria que ter “contenção verbal”.

Ciro ficou conhecido pela virulência de sua fala, o que lhe valeu o apelido de “língua de aluguel” do governo, especialmente quando se referia ao tucano José Serra.
Na eleição presidencial de 2002, houve um momento da campanha em que o então candidato do PPS, Ciro Gomes, apareceu na frente de Lula.

O presidente do Ibope, Carlos Augusto Montenegro, dizia que sua situação era tão confortável que, se Ciro tivesse viajado com a mulher, Patrícia Pillar, e desaparecido da campanha, poderia ter sido eleito.

Em vez disso, prosseguiu na campanha e, entusiasmado pela aprovação popular que colhia naquele momento, deixou-se perder pela boca, o que, aliás, tornou-se seu hábito.

Xingou de burro um eleitor que o questionava num programa de rádio, fez comentários machistas em relação a Patrícia Pillar e se perdeu completamente, não conseguindo nem mesmo ir para o segundo turno.

Nunca ninguém foi tão humilhado publicamente quanto Ciro Gomes na campanha eleitoral deste ano, impedido de apresentar sua candidatura à Presidência da República pelo próprio Lula, que o induziu ao erro ao sugerir que transferisse seu título eleitoral para São Paulo a fim de disputar o governo daquele estado.

Não conseguiu apoio do PSB, que tinha o empresário Paulo Skaf como candidato, um dos maiores absurdos políticos de nossa história recente, foi bombardeado pelo PT, e acabou não podendo nem mesmo ser candidato a deputado federal.

Vendo o cerco contra sua candidatura à Presidência na eleição deste ano se apertar, Ciro voltou a usar sua língua ferina, dessa vez contra o próprio governo.
Disse que Lula “viajou na maionese”, e estava enganado pensando que era Deus e que tudo podia.

Disse que Serra era mais preparado para exercer a Presidência da República do que Dilma.

Caiu em desgraça junto ao PT, ao PMDB e ao próprio PSB, cujo presidente Eduardo Campos conspirou com Lula para inviabilizar a candidatura de Ciro.
A relação conflituosa de Ciro com Lula levou até mesmo a que ele rompesse com seu maior aliado político no Ceará, o senador Tasso Jereissati, que já abandonara o candidato tucano José Serra para apoiá-lo em 2002.

Pois Ciro traiu o acordo branco que tinha com Tasso no Ceará para tentar se aproximar mais de Lula, mas não teve a contrapartida.

O que Lula queria era uma disputa polarizada entre Dilma e Serra, ou entre PT e PSDB, ou, melhor ainda, entre ele e Fernando Henrique.
E Ciro insistia em quebrar essa polarização, alegando que era melhor para os governistas que houvesse mais candidaturas.

Lula mostrou-se certo, do ponto de vista de seu interesse pessoal, na estratégia, tanto que foi a presença de Marina Silva pelo PV que impediu que a disputa se resolvesse já no primeiro turno.

Mas, naquele momento, registrei aqui na coluna que o que menos importava era o que pensa ou diz o deputado Ciro Gomes. “Goste-se ou não da maneira como o deputado federal Ciro Gomes faz política, uma coisa é certa: sua desistência forçada à disputa da Presidência da República é um golpe na democracia”, escrevi então.

Considerava, e ainda considero, que a interferência frontal do presidente Lula para inviabilizar uma candidatura em benefício da que escolhera era uma agressão do ponto de vista democrático à livre escolha do eleitor.

Conchavos de gabinete com o objetivo de transformar em plebiscito uma eleição em dois turnos, concebida justamente para dar ao candidato eleito a garantia de apoio da maioria do eleitorado, reduziram o sentido da eleição. Ciro foi de diversos partidos, inclusive da Arena no tempo da ditadura, mas teve sucesso político no PSDB, pelo qual chegou a ser ministro da Fazenda na transição do governo Itamar Franco. Foi chamado às pressas para apagar um incêndio que ameaçava a candidatura presidencial de Fernando Henrique Cardoso.

O então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero, foi flagrado com o microfone aberto em um programa de televisão dizendo coisas como “o que é bom a gente mostra, o que é ruim a gente esconde”. Ciro Gomes era um jovem político de sucesso que governava o Ceará, e foi uma grande solução política para o momento.

Esse período serviu também para que se tornasse adversário ferrenho tanto do ex-presidente quanto de José Serra, a quem, pela gana que tem, deve atribuir uma atuação decisiva para que não tenha continuado ministro da Fazenda. Na ocasião, o presidente eleito Fernando Henrique Cardoso ofereceu-lhe o posto de Ministro da Saúde, que Ciro recusou, considerando uma ofensa a oferta.
Anos depois, José Serra, derrotado na disputa para a Prefeitura de São Paulo, ocupou o Ministério da Saúde e alavancou sua carreira política, tornando-se candidato a presidente em 2002.

Até hoje medidas adotadas no ministério, como os genéricos, lhe rendem uma visibilidade política importante. Pois, ironicamente, Ciro hoje tinha como seu sonho de consumo assumir o Ministério da Saúde no governo Dilma, o que lhe foi negado liminarmente.

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

Justiça Eleitoral: Mandato é cassado já quando está terminando

A demora para a conclusão de processos que resultam em condenação para políticos que infringem a legislação eleitoral acaba por se traduzir, em muitos casos, em impunidade. Isso porque, aproveitando-se de mecanismos previstos na lei, infratores conseguem protelar as decisões finais até o término de seus mandatos, tornando quase que ineficazes as sanções.

Um dos casos mais recentes desse processo, no Estado, é o do deputado estadual Neto Nunes (PMDB), condenado por captação e gastos ilícitos de recursos financeiros na campanha eleitoral de 2006. Contudo, apenas um mês antes do término de seu mandato, em novembro último, o parlamentar foi de fato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral (TRE-CE). Ontem, o TRE ia julgar um novo recurso do deputado.

Caso semelhante é o de prefeitos cearenses que foram afastados de seus cargos por conta da prática de crimes eleitorais, mas, dias depois, retornam a exercer suas funções através de medidas liminares. Em Santa Quitéria, um dos municípios onde o fato ocorreu, o prefeito, Francisco das Chagas Magalhães Mesquita, e o vice-prefeito, Eduardo Sobral Monte e Silva, foram cassados em maio de 2009, mas permaneceram em seus cargos até outubro último, quando o Pleno do TRE indeferiu o recurso dos gestores e manteve sua cassação.

Por enquanto, atua como prefeito de Santa Quitéria o presidente da Câmara de Vereadores. No próximo dia 19, haverá novo processo eleitoral no Município. Ainda que eleito em 2010, o novo prefeito só irá governar por dois anos, até o fim de 2012, quando será realizado novo pleito. Além de Santa Quitéria, os municípios de Icapuí, Senador Sá, Jardim, Limoeiro do Norte, Orós, Quixeré, Alcântaras e Acaraú também tiveram seus gestores cassados, no último ano, e retornaram a seus cargos.

Para o advogado especialista em direito eleitoral Djalma Pinto, um dos principais fatores responsáveis pela demora na conclusão de processos desse gênero é a atenção insuficiente concedida pela Justiça ao julgamento de crimes eleitorais, os quais, afirma, devem ser tratados com prioridade em relação aos demais processos.

Isso porque, destaca, as implicações dos crimes cometidos por políticos - candidatos ou já eleitos - trazem malefícios a um número muito maior de envolvidos. "O processo eleitoral repercute em cada cidadão. Está em jogo o comando do governo a ser exercido. Os atos vão ser refletidos na vida de cada um, no presente e no futuro", frisa.

Conforme o advogado, os juízes que atuam em processos contra homens públicos participam simultaneamente de outros julgamentos, o que acaba por retardar o andamento dos primeiros casos. Durante o período eleitoral, a situação se agrava, uma vez que, por conta do volume significativo de denúncias, a Justiça se torna sobrecarregada, inviabilizando a rapidez nos processos e beneficiando quem comete irregularidades.

Djalma reconhece que, em diversos casos, os infratores fazem uso de mecanismos oferecidos pela Legislação, baseados no princípio de direito à defesa, para retardar os processos e manterem-se em seus cargos. "Na plenitude da defesa, o acusado pode pedir para ouvir testemunhas, pode pedir a realização de perícias, que muitas vezes não são necessárias", ilustra. Segundo ele, cabe então ao juiz garantir a ampla defesa, mas atento ao caráter protelatório de determinadas medidas e impedir sua realização.

Destaca o advogado Djalma Pinto que, do ponto de vista legislativo, o Brasil "não deixa a desejar". Ele ressalta a aprovação da Lei 12.034, em setembro de 2009, a qual altera determinadas regras do sistema eleitoral brasileiro. Entre outros pontos, a lei determina como "duração razoável do processo que possa resultar em perda de mandato eletivo" o prazo máximo de um ano. A intenção, afirma, é conciliar o direito à defesa dos acusados e a celeridade necessária a processos tão relevantes.

Caso haja aplicação efetiva da nova lei, aponta, a tendência é de casos como o de gestores que passam a maior parte de seus mandatos sendo julgados se tornarem mais raros. "Não se justifica que, sendo o mandato de quatro anos, o processo leve esse período todo para ser concluído, tornando a sua conclusão inútil, ineficaz", comenta.

O advogado também destaca a existência ferramentas previstas na legislação que oferecem às partes mecanismos através dos quais entidades como o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) podem ser acionadas com o objetivo de cobrar mais rapidez nos julgamentos. Conforme Djalma, desde que a nova lei foi aprovada, já houve casos, no Ceará, em que CNJ foi acionado para cobrar dos juízes mais celeridade no desenvolvimento de alguns processos que estavam tramitando lentamente.

Embora a maior atenção por parte da Justiça em relação a casos desse gênero seja um passo importante a ser dado, frisa o advogado, a principal solução para a problemática é a conscientização da população quanto ao papel a ser desempenhado por seus representantes políticos. "Qual a finalidade do mandato? É o cidadão fazer todo tipo de irregularidade após eleito ou cometer toda a série de atos ilícitos para sua conquista", questiona.

Com a falta de conhecimento quanto à função do homem público, acrescenta, "pessoas de bem, vocacionadas, de espírito público", as quais se negam a praticar ilegalidades para serem eleitas, acabam impelidas para fora do processo eleitoral. Através da educação da sociedade, irregularidades como a compra de votos se tornarão menos comuns.

Como resultado, gestores desprovidos de espírito coletivo que têm como objetivo utilizar a máquina pública em benefício próprio terão menos chances de alcançar o poder. Além disso, haverá a inibição aos atos ilícitos durante as eleições.


Com informações Diário do Nordeste